30/08/2015

"Meu Portugal", poema constituído por cinco quadras de Florbela Espanca


Fotografia de Eduardo Luís Godinho
no Facebook, 14.08.2015




MEU PORTUGAL


Meu Portugal querido, minha terra
De risos e quimeras e canções
Tens dentro em ti, esse teu peito encerra,
Tudo que faz bater os corações!

Tens o fado. A canção triste e bendita
Que todos cantam pela vida fora;
O fado que dá vida e que palpita
Na calma da guitarra aonde mora!

Tu tens também a embriaguez suave
Dos campos, da paisagem ao sol poente,
E esse sol é como um canto d’ave
Que expira à beira-mar, suavemente…

Tu tens, ó pátria minha, as raparigas
Mais frescas, mais gentis do orbe imenso,
Tens os beijos, os risos, as cantigas
De seus lábios de sangue!… Às vezes, penso

Que tu és, pátria minha, branca fada
Boa e linda que Deus sonhou um dia,
Para lançar no mundo, ó pátria amada
A beleza eterna, a arte, a poesia!…


FLORBELA ESPANCA


Fonte: Caderno de manuscritos de Florbela, intitulado "Trocando Olhares", do espólio na Biblioteca Nacional de Portugal; reprod. em GUEDES, Rui (recolha, leitura e notas) – Poesia: 1903-1917 / Florbela Espanca, de “Obras Completas de Florbela Espanca”, vol. 1, Lisboa: Dom Quixote, 1985, pp. 189-191 [aí optou-se por grafar "pátria" com minúscula, o que não corresponde ao manuscrito, que cotejei]; e PEREIRA, José Carlos Seabra (org. e notas) – Obra Poética, volume II, de "Obras de Florbela Espanca". Lisboa: Editorial Presença, 2010, p. 81.



25/04/2015

Para Florbela, por Sebastião da Gama


a Eduardo Luís Godinho, que publicou este soneto no Facebook. A 5.03.2015



À Florbela

(em sua memória)

Sou eu, Florbela! Aquele que buscaste.
Falam de mim Teus versos de Menina.
Tua boca p’ra mim se abriu, divina,
mas foi só o Luar que Tu beijaste.

Hás de voltar, Florbela!… Em débil haste,
por entre os trigos cresce, purpurina,
a mais fresca papoila da campina
que, só por me veres, não cortaste.

Eu tenho três mil anos: sou Poeta.
Surgi dos lábios secos dum asceta,
de uma oração que Deus deixou de parte.

Redimi tantos corpos, tantas vidas
neles vivi, que sinto já nascidas
asas com que subir para alcançar-Te


Arrábida, 6.11.1943


Sebastião da Gama (1924-1952)


11/04/2015

PASSEIE PELA GRAÇA, EM LISBOA, E CONTACTE COM PINTURAS MURAIS LEMBRANDO A POETISA FLORBELA ESPANCA


Florbela Espanca (Dalila Carmo) em Lisboa.
Imagem do filme "Florbela" (2012) dir. Vicente Alves do Ó.

Quem fez ao sapo o leito carmesim

De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?

Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?

Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Teresa em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?

Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
— Sem nos dar braços para os alcançar?!...

FLORBELA ESPANCA - «?» in Charneca em Flor (1931)


1 – O passeio pela Graça


No Youtube, publicado por: Galeria de Arte Urbana, 26.o1.2015

O “Passeio Literário da Graça” permite conhecer a ligação deste bairro histórico lisboeta (o Bairro Estrela d’Ouro, a Vila Sousa, a Vila Berta) com figuras da história da literatura portuguesa como Natália Correia, Angelina Vidal, Sophia de Mello Breyner e Florbela Espanca.

O projeto “Fachadas Cheias de Graça” foi coordenado pela associação EBANO e, entre abril e junho de 2014, possibilitou a intervenção dos artistas Eime, Leonor Brilha, Lorenzo Bordonaro, Mariana Dias Coutinho, MrDheo, Pariz One, Violant (intervenção promovida pela associação MEDS). O visitante pode descobrir, assim, obras em alguns muros e paredes do património arquitectónico da Graça que lembram e homenageiam figuras ilustres e simultaneamente melhoram o aspecto do bairro da capital.



O mural de Mariana Dias Coutinho e o percurso literário começam na esquina de um muro na Travessa do Monte em que está visível o célebre soneto de Florbela Espanca «Ser Poeta». 


Mural de Mariana Dias Coutinho - pormenor: Florbela Espanca
Seguem-se as imagens de poetisas portuguesas: antecedida de Sophia junto à imagem da sua Fada Oriana e seguida pelo retrato de Natália, esta fumando a sua boquilha, surge Florbela – «com todo o seu coração, o seu amor amor amor, os seus enamorados» (observação da artista). Angelina Vidal fecha este conjunto mural.

"Brainstorm" de Violant, contendo sonetos de Florbela
Imagem de Miguel Monteiro no sítio Arca de Darwin 
Um outro espantoso mural, agora da autoria de Violant (i.e., João Maurício), homenageia a poetisa Florbela Espanca. A intervenção intitulada “Brainstorm”, configurando algo entre árvore do saber poético e planeta azul de sementes da vida - melhor ver do que explicar!, situa-se na rua Natália Correia, mas os versos que alimentam as páginas do livro-árvore do conhecimento são os amados sonetos da autora de Charneca em Flor: «?» [“Quem fez ao sapo o leito carmesim”], o terceiro soneto [«Frémito do meu corpo a procurar-te»] da série de sonetos sob inspiração camoniana «É um não querer que mais bem querer», «Nervos de oiro», «Árvores do Alentejo». Reproduzimos aqui um desses sonetos reconfigurando a simbologia da árvore.
ÁRVORES DO ALENTEJO

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
— Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

"Brainstorm" de Violante (pormenor)

O mistério da criação artística como um livro aberto a interpretações, presente nesta obra, é explanado pelo artista deste modo:
«Este mural é dessa origem de imagens que apelam à imaginação do espectador, solicitando-o a tomar propriedade da imagem, fazendo-a sua, num movimento ininterrupto que vai do criador ao público. Uma ponte invisível ligará, então, o mistério da criação ao da significação. Apenas os murmúrios do espectador podem unir os sugeridos caminhos para que os elementos da imagem remetem. Talvez surjam ecos, feitos homenagens ou reminiscências aos vultos dos escritores que habitaram em paredes próximas, cujo chão das ruas conheceram. Uma evocação que não regula o devaneio, mas serve como seu impulsionador. Apresenta-se sob a forma de sonho do pintor, a qual  apenas demanda: imaginação ao observador, um  livro aberto.» 

2 - Florbela Espanca em Lisboa: 1917-1923, 1927 


Faculdade de Direito de Lisboa, no Campo de Santana
(hoje Embaixada da  Alemanha)
Fotogr. in GUEDES, Rui: 1985.
Logo após ter terminado o liceu, Florbela deseja estudar Letras em Lisboa, vindo de facto a matricular-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no Campo de Santana, a 9 de outubro de 1917. Apeles, o seu irmão, encontra-se aí a estudar e também ele, embora dotado artisticamente e praticando a pintura, seguirá carreira oposta: a 19 de agosto de 1917 termina o Curso da Escola Naval, vindo mais tarde a ser tratado como Tenente Espanca. Provavelmente as notícias entusiasmantes do irmão sobre a vida cultural e artística da capital a tenham motivado a mudar de ares, preterindo os encantos do Redondo ou de Évora. Por outo lado, entre junho de 1916 e abril de 1917, Florbela correspondera-se em grandes confidências, pessoais e literárias, com Júlia Alves, que é à época a subdiretora do suplemento “Modas e Bordados” do jornal O Século. A sua amiga maior amiga, Milburges Ferreira, a “Buja”, aí também residirá, trabalhando como explicadora particular de português, e com ela Florbela estará sempre em contacto, durante toda a fase em Lisboa que, intermitentemente, se prolonga até novembro de 1923.


Florbela, cerca de 1917 (22 anos)
Neste tempo de guerra mundial, quando Florbela vem viver e estudar para a capital, ela é uma jovem de 22 anos anos, casada desde 1913 com o seu colega da escola primária, Alberto Moutinho, e que embora intua o valor do seu talento poético ainda não o viu devidamente confirmado pela publicação de um livro. A cidade de Lisboa será o enquadramento para a sua estreia literária com o Livro de Mágoas (1919), editado por Raul Proença e financiado pelo pai da poetisa: é na Rua do Salitre, 102 A, que se localizava a Tipografia Maurício que imprimiu a sua coletânea de sonetos. Na Faculdade de Direito, é uma das catorzes mulheres matriculadas num curso maioritariamente  frequentado por homens. Aí conhecerá, entre outros, Américo Durão (1894-1969) que tanta importância virá a ter na sua revelação e identidade poética. Através do seu irmão Apeles conhece a vida artística de Lisboa, visitando exposições e indo  a festas e outros eventos da capital.

Em março de 1918, Florbela faz um aborto involuntário e Henriqueta de Almeida, a sua segunda madrasta, vem para Lisboa tratá-la. Para repousar, no mês seguinte, Florbela  vai com o marido para Quelfes, perto de Olhão, no Algarve, permanecendo o casal hospedado em casa de Doroteia Moutinho. O médico que a trata fala-lhe da gravidade da doença e anunciam-se então os indícios de neurose.
Quando se sente melhor, estando a desentender-se com o marido e não tolerando mais o Algarve, Florbela vem sozinha para Lisboa e matricula-se no 2.º ano da Faculdade de Direito. Durante esse período, vive praticamente separada do marido, que continua no Algarve, dando lições em Olhão.

António Guimarães
Fotogr. in GUEDES, Rui: 1985.
Entretanto, no início de 1920, conhece o alferes da GNR António Guimarães (1895-1981) no casamento de uma familiar do mesmo, na Rua da Madalena, nº 287, 1º Esq.. Com um livro de poesia já editado e escrevendo poemas com certa regularidade, está apaixonada e decide ir viver junto com o seu futuro marido (casarão a 29.02.1921). Todavia, a 12 de julho desse mesmo ano, António Guimarães é mandado apresentar no Destacamento de Artilharia do Porto, situado no Castelo da Foz, para onde vai com Florbela, no dia 15 de Julho. A poetisa deixa a capital.
Quase dois anos depois, em março de 1922, Florbela e o marido voltam para Lisboa, indo viver para uma quinta na Amadora, propriedade de um parente de António Guimarães, onde vivem cerca de quatro meses.

Rua Josefa d’Óbidos, nº 24, 4.º, 4º piso, em Lisboa.
Fotogr. in GUEDES, Rui: 1985.
Em junho de 1922, Florbela muda-se para uma habitação na zona da Graça, na Rua Josefa d’Óbidos, nº 24, 4.º, 4º piso

Florbela publica  a sua segunda obra, o Livro de Soror Saudade (1923), dá explicações de Português a quatro alunas – Aurélia Borges, que lhe consagrará vários estudos, Helena Graça dos Santos, Maria do Céu Amaro dos Santos e Lídia Aguiar do Amaral –, na residência da Lídia, na Rua Braamcamp, n.º 25. Em novembro desse ano sofre um segundo aborto involuntário, encontrando-se num estado de grande debilidade. Para se tratar, Florbela sai de Lisboa e fica hospedada em Gonça, perto de Guimarães, numa quinta de familiares. Esta ida será igualmente a sua separação de António Guimarães (divórcio a 23.06.1925).
Florbela (Dalila Carmo) e o irmão Apeles (Ivo Canelas)
 numa cena do filme "Florbela" (2012) dir. Vicente Alves do Ó.
Em junho de 1927, Florbela Espanca está em Lisboa, quatro dias que antecedem a trágica morte do seu irmão, agora piloto-aviador e que se despenhou durante um voo de treino no hidroavião Hanriot 33 no rio Tejo, a 6 de junho desse ano. É uma mulher de 33 anos, casada agora com o médico Mário Laje (1893-19), traduz romances franceses para a Livraria Civilização do Porto, colabora com poemas no jornal D. Nuno de Vila Viçosa, dirigido por José Emídio Amaro, prepara uma nova coletânea de poemas, Charneca em Flor (1931), e escreve vários contos que agrupará em O Dominó Preto (publicado apena em 1982).

Local de estudo universitário, residências várias, mas também de convívio e tertúlia cultural, cenário de amizades e enamoramento, Lisboa foi também túmulo para o corpo de seu irmão Apeles. Especificamente, no n.º 24 da rua Josefa d’Óbidos, à Graça, da mansarda com janela aberta sobre o céu de Lisboa, criou sonetos como «O meu orgulho», «A vida», «Tarde demais…».

A VIDA

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo um “Pedro Sem”,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo donde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a Vida!...

"Brainstorm" de Violant (pormenor)




Fontes:




"Brainstorm" de Violant (pormenor)

05/04/2015

RETRATO DE FLORBELA ESPANCA e de outros Poetas e Escritores, por Graça Martins (2012)

Florbela Espanca retratada por Graça Martins




Conjunto de retratos de escritores realizados por Graça Martins ao longo de várias décadas; a maioria dos retratos encontra-se publicada em obras literárias, como abaixo indicado. 
Isabel de Sá
em O Festim das Serpentes Novas.
Porto: Brasília Ed., 1990.

Eugénio de Andrade
em Eugénio de Andrade: retratos
 Macau: Instituto Cultural, 1990.

Mário de Sá-Carneiro
em Indícios de Oiro.
 Sintra: Colares Ed., 1991.

Isabel de Sá, 3 retratos
na revista O Mono da Tinta.
Galiza, 1996.

Mário Cláudio
em António Cruz - O Pintor e a Cidade.
Porto: Campo das Letras, 2001.

Isabel de Sá
em A Árvore das Virtudes: 35 Anos com a Cidade.
Porto: Edição Árvore.

Os restantes retratos fazem parte de Colecções Particulares e da pintora Graça Martins.

Ver também:



A controversa tradução dos sonetos floberlianos em espanhol



Florbela Espanca
Charneca en Flor: antologia esencial
Edición bilingüe de Luis Alfonso Limpo Píriz.
Merida: Editora Regional de Extremadura, maio 2013.


O autor, cronista de Olivença, em entrevista na Rádio Campanário,  explicou que o seu livro «é uma antologia dos sonetos mais representativos» da obra poética florbeliana e que a seleção foi baseada em «critérios temáticos»; esclarecendo ainda que a antologia é «precedida de uma pequena biografia para dar a conhecer aos leitores espanhóis a vida e o mais representativo da obra de Florbela Espanca».

Editado em 2013, o livro foi agora apresentado em Portugal, no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Vila Viçosa, terra natal da poetisa, no dia 28.03.2015, pelas 15 horas.

Para a controversa tradução dos sonetos de Florbela Espanca em língua espanhola, agora e antes, leia-se o texto de JLGM, registado abaixo.


Ver também: