13/12/2013

Carta ao irmão Apeles [Lisboa, 5.09.1922] lida por Lorenna Mesquita, na Semana Florbela Espanca



Carta de florbela, datada de Lisboa, 5.09.1922,
 enviada ao Apeles, quando este estava no Brasil.

Vídeo integrante da programação da Semana Florbela Espanca, realizada de 8 a 14 de dez. de 2013, diariamente às 19 horas, na Casa de Portugal, São Paulo / Brasil.
Leitura: Lorenna Mesquita
Direção: Fabio Brandi Torres
Direção de fotografia: Claudio Castro
Apoio cultural: Casa de Portugal
Realização: Srta.Lô Produções


Fonte do vídeo e texto informativo (adaptado): "Florbela Espanca" no Youtube

CARTA


Lisboa, 5-9-1922


Meu querido irmão

Tenho esperado notícias tuas, mas decididamente vejo a inutilidade da esperança, e por isso resolvo-me a conversar um bocadinho contigo, já que há tanto tempo te não dignas escrever-me. Respondi para o Rio a um postal que me enviaste de Vitória, primeiro e último testemunho de que ainda te lembras dos bananas que por aqui vegetam sem festas, sem regozijos, sem apoteoses. Lisboa neurasteniza, e estou contente que a tua alma vibrante e entusiástica de vinte anos se eleve ao contacto de todas as belas coisas que vês; isto por cá deve parecer-te, à volta, um túmulo grotesco onde se agitam larvas. Enfim, já que na vida é sempre preciso voltar, que seja ainda daqui a muito tempo; já vês que sou muito pouco egoísta, pois a minha razão deseja o contrário que o meu coração poderia desejar. Sei que te lembrarás, às vezes, duma irmã amiga que está ansiosa por te ouvir contar muitas coisas inverosímeis à força de ser belas. O teu riso, a tua força de viver, dar-me-iam uma grande felicidade, acredita. Que extraordinário ente tu és! Artista vibrante e sensível, compreendendo tudo, achando em tudo vida e emoção, tu com tudo isto realizas o milagre magnífico de teres nervos equilibrados sem coisa alguma de doentio, sem coisa alguma de mágoa. Que diferentes nós somos, não achas? Ou talvez sejamos parecidos e só me falte a mim a livre expansão de todas as forças da alma, comprimidas pelas mil engenhocas deste complicado mecanismo que é a vida. O que é certo é que eu, que esqueci há muito o riso são e verdadeiro, gosto de te ver rir e assim te vi ontem pelas 10 h. da noite. Não vás imaginar que endoideci, mas pensa muito simplesmente que vi no Cinema Condes a fita do raid Lisboa-Brasil. Não vi mais ninguém, decerto porque ninguém mais me interessava a não ser o Peles lindo. Dançavas como um entrain verdadeiramente diabólico. A pobre da pequena de vestido de rendas não chegava ao teu ombro! Que esforço para conseguir passar-te da cintura! Bonita era, na verdade, e, como sempre, tens bom gosto apesar de as escolheres sempre anatomicamente imperfeitas... Não te escames que isto não é verdade pequenina, mas gentil e bem feita, o novo flirt do Peles.

Estás sempre a rir e pareces-me ainda mais preto, mas mais magro, é verdade? Quantas coisas tu me contarás! Tu sabes que a irmã poetisa compreende todas as emoções e todas as loucuras da tua alma. A pobre Rosine tem escrito sempre, e eu tenho-lhe respondido, mas, se bem que me faça insinuações frequentes a teu respeito, evito responder-lhe por discrição, pois não sei o que quererias que ela soubesse a teu respeito e, assim, na dúvida, não lhe digo nada. Às vezes, falando indiferentemente e sem intenção, pode fazer-se tolice.

Se puderes, escreve, sim? O António envia-te um abraço e, como eu, deseja-te muitas, muitas coisas boas.

Lembranças minhas ao Castelão.

Um grande abraço muito apertado e com saudades da
Bela


A mãe Mariana está cá e também se recomenda ao Peles.

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Fonte: ESPANCA, Florbela – Cartas e diário, org., introd. e notas de Rui Guedes. Lisboa: Bertrand, 1995, pp. 132-133.